3 de mai. de 2008

Sobre Amartya Sen

Entrevista com Thomas Kang

Thomas Kang é formado em economia pela UFRGS e atualmente faz mestrado em economia na USP, com ênfase nos campos da história econômica e do desenvolvimento econômico, concentrando especial atenção nos temas da desigualdade, educação e justiça distributiva. Amartya Sen, o economista indiano e nobel em 1998 e que trouxe notáveis contribuições para a teoria do bem-estar social, do desenvolvimento econômico e da justiça distributiva é um dos principais autores estudados por Kang (veja o seu blog aqui). Mas talvez o elemento mais eloqüente para os habituais leitores do nosso blog é a crítica à ética libertária desenvolvida por Sen. É com o fito de conhecermos um pouco melhor este pensador que Kang concedeu esta entrevista por e-mail. Boa leitura!

Quem é Amartya Sen?

Kang: Amartya Kumar Sen é um economista que nasceu em Santiniketan, Índia em 1933. Estudou em Calcutá e posteriormente, recebeu seu título de doutor pela University of Cambridge em 1959, sob a orientação de Joan Robinson. Embora sua tese tenha sido sobre a escolha de técnicas, passou a estudar filosofia em Cambridge e enveredou por vários ramos da teoria econômica e da filosofia, dos quais falarei mais a seguir. Foi professor de diversas instituições como Delhi School of Economics, University of Oxford, London School of Economics e até há pouco tempo, era o Master do Trinity College de Cambridge. Voltou recentemente a fazer parte do Departamento de Economia e do Departamento de Filosofia da Harvard University (Lamont University Professor). Foi também presidente da American Economic Association (1994), da Econometric Society (1984), da Indian Economic Association (1989) e da International Economic Association (1986-89). É membro honorário da American Academy of Arts and Sciences e membro da American Philosophical Association. Recebeu em 1998 o Prêmio de Economia em memória a Alfred Nobel por suas contribuições à economia do bem-estar (welfare economics). Foi também uma das pessoas responsáveis pela formulação do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU.

O quê despertou seu interesse por Sen?

Kang: Quando era aluno da graduação em Ciências Econômicas na UFRGS, tive a oportunidade de cursar a disciplina de Política e Planejamento Econômico no começo de 2006 com o Prof. Dr. Flávio Comim, que ao obter seu doutorado em Cambridge, teve contato com as teorias de Sen. Na disciplina, fomos apresentados à teoria de desenvolvimento de Sen: a chamada abordagem das capacitações (capability approach), o que foi um pouco chocante pelas suas diferenças em relação à visão mais estreita que sempre tivemos de desenvolvimento. No entanto, o choque foi positivo e me interessei cada vez mais pelos escritos de Sen e de outros adeptos da capability approach.

Quais as principais contribuições teóricas de Sen?

Kang: Acredito que, cronologicamente, sua primeira contribuição importante está relacionada ao tema da escolha social. Um importante trabalho nessa área é sua tese da impossibilidade de um liberal paretiano (1). Nesse trabalho, ele demonstra que o ótimo de Pareto pode não ser compatível com o liberalismo. Outro trabalho é a tentativa de encontrar métodos razoáveis de agregação interpessoal e de comparabilidade parcial, de forma a possibilitar algum tipo de "escolha social" (2). Um bom resumo de suas contribuições principalmente nessa área está na sua palestra por ocasião do Prêmio Nobel (http://nobelprize.org/nobel_prizes/economics/laureates/1998/sen-lecture.html). Vale a pena dar uma lida nessa palestra, uma vez que a maioria dos trabalhos em teoria da escolha social são bastante axiomatizados.

Outras fundamentais contribuições de Sen que tem relação com suas idéias filosóficas são as que tratam do tema "racionalidade". Um dos textos mais clássicos é o "Rational Fools"(3), em que Sen critica o estreitamento do conceito de racionalidade na economia e seu caráter a-ético, chamando atenção para conceitos como simpatia (sympathy) e compromisso (commitment). Esse último poderia ter um papel crucial no comportamento humano racional.

Sen também tem importantes trabalhos mais técnicos na área de mensuração de desigualdade e pobreza, em que se destaca seu livro "On Economic Inequality" (4), além de numerosos papers sobre o assunto. Também entre seus trabalhos empíricos, a fome merece papel de destaque, com seus inúmeros trabalhos acerca da fome em seu próprio país, a Índia. Não podemos ignorar também seus estudos sobre desigualdade de gênero. No campo teórico, Sen também escreveu sobre teoria da escolha racional também sobre crescimento econômico.

Uma outra grande área de estudos de Sen é a da economia do bem-estar (welfare economics). Suas publicações no tema abrangem questões de justiça distributiva, críticas ao welfarismo presente no utilitarismo, e sua original contribuição sobre capabilities. Muito relacionados a esses escritos são seus trabalhos sobre desenvolvimento econômico, que passam a incorporar aspectos filosóficos do seu pensamento. Evidentemente, seu trabalho mais conhecido é o "Desenvolvimento como Liberdade" (5). Outro trabalho de leitura fundamental e didática é seu "Desigualdade reexaminada" (6), o qual recomendo fortemente. Esses dois últimos livros resumem boa parte das idéias de Sen, sendo uma excelente visão geral e acessível de seu pensamento.

Para alegria dos leitores do seu blog, posso afirmar que são numerosos seus trabalhos na área de ética, filosofia política e filosofia moral. Acredito que seu trabalho mais denso e significativo a respeito seja o "Well-being, agency and freedom" (7). As relações entre ética e economia, passando por questões como racionalidade, estão no seu livro "Sobre Ética e Economia" (8), que considero de leitura obrigatória para os economistas leitores deste blog. Na leitura desses textos, temos que ter em mente sua rejeição ao utilitarismo e sua busca por uma alternativa mais razoável sem, no entanto, cair em uma ética baseada somente em princípios, como ocorre com a maioria dos filósofos e economistas libertários. Ou seja, Sen adota uma pespectiva conseqüencialista diferente da defendida pelo utilitarismo, porquanto Sen acredita que direitos devam ser considerados. Posteriormente, nos livros (5) e (6), Sen explica sua proposta para solucionar boa parte dos problemas que ele aponta existirem em outras teorias de justiça, a capability approach.

Quem são os autores em quem ele se inspirou e contra quem ele se levantou teoricamente?

Kang: Podemos apontar inúmeros autores como inspiradores de Sen. Sua visão de filosofia moral está certamente muito fundamentada nas idéias de Adam Smith (para quem não sabe, sua esposa, Emma Rotschild, é uma especialista em Smith), como ele explicita em (5), cap. 3. Não podemos esquecer de outros pensadores que o inspiraram, como John Stuart Mill e outros economistas ingleses como Edgeworth e Marshall. Por outro lado, Sen é indiano e estudou em uma escola que se baseava nas idéias de Rabinaradth Tagore, Nobel em Literatura, de quem também recebeu inspiração. Não sei dizer qual a influência dos filósofos pragmáticos como Dewey e Rorty em sua filosofia, embora eu suspeita que exista alguma. Conquanto Sen esteja longe de ser marxista, tenho que admitir, mesmo para leitores deste blog, que alguma influência de Marx ele recebeu de acordo com o próprio. Contemporaneamente, é inegável a influência de Ken Arrow, uma vez que o trabalho fundante no campo da escolha social em economia hoje se deva a Arrow e seu teorema da impossibilidade.

Na filosofia política contemporânea, a sua maior influência foi John Rawls, como já declarou inúmeras vezes. Na verdade, praticamente todos os que trabalham com filosofia política hoje dirão que Rawls é a influência maior, sejam eles companheiros ou adversários intelectuais de Rawls. Em sua palestra na Conferência da HDCA (Human Development and Capability Association) em setembro de 2007, Sen homenageou Rawls, dizendo que ele não teria escrito nada sobre o assunto se não tivesse lido Rawls.

Embora Rawls seja seu grande inspirador e que concorde com ele em diversas questões, o que faz de Sen ser alguém proeminente no debate é justamente suas diferenças em relação a Rawls ao advogar a igualdade de capabilities ao invés da igualdade de bens primários.

Em uma pequena entrevista como essa, não posso falar muito a respeito. Sugiro que procurem ler a bibliografia que indiquei (especialmente o capítulo 3 de (5) e o capítulo 5 de (6)). Evidentemente, Sen também critica fortemente os utilitaristas tanto antigos (Bentham e outros) como modernos (Harsanyi, etc). Em diversos escritos, Sen tenta mostrar os problemas derivados da aplicação da filosofia de Robert Nozick. Portanto, Sen é um crítico dos libertários. (ver sobretudo cap. 3 de (5))

Vejam o CV completo com todas as publicações de Sen em http://www.economics.harvard.edu/faculty/sen/cv/CV.pdf

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(1) “The Impossibility of a Paretian Liberal,” Journal of Political Economy, 78 (1979). Reprinted in F. Hahn and M. Hollis, eds., Philosophy and Economic Theory (Oxford: Oxford University Press, 1979).
(2) “Interpersonal Aggregation and Partial Comparability,” Econometrica, 38 (May 1970); “A Correction,” Econometrica, 40 (September 1972).
(3) “Rational Fools: A Critique of the Behavioural Foundations of Economic Theory,” Philosophy and Public Affairs 6 (Summer 1977); reprinted in H. Harris, ed., Scientific Models and Man: The Herbert Spencer Lectures 1976 (Oxford: Clarendon Press, 1979); F. Hahn and M. Hollis, eds. Philosophy and Economic Theory (Oxford University Press, 1979); also in Jane Mansbridge, ed., Beyond Self-Interest (University of Chicago Press, 1990).
(4) On Economic Inequality, Oxford: Clarendon Press, 1973; New York: Norton, 1975.
(5) Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
(6) Desigualdade reexaminada. Rio de Janeiro: Record, 2001.
(7)“Well-being, Agency and Freedom: The Dewey Lectures 1984,” Journal of Philosophy, 82 (April 1985).
(8) Sobre Ética e Economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

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