24 de jan. de 2004



Alberto Oliva expõe no artigo abaixo a verdadeira causa da assustadora desigualdade no Brasil. Razões que a maioria dos professores de Economia, os estatólatras do Estado moderno, evitam comentar. Com disse certo economista: "O Estado é um roubo."


CONCENTRAÇÃO DE RENDA - ESTADO X MERCADO


por Alberto Oliva
em 13/01/2004



Em Das Kapital, Marx afirma que a ciência seria supérflua se a essência e a aparência coincidissem. Na realidade as coisas são como são. Mas as representações que delas fazemos podem tomar como real o que não passa de casca encobridora. Para o senso comum, a Terra é imóvel e plana. O grande desafio sempre é saber se o que nos aparece como realidade o é de facto. O mundo mudou profundamente desde o século XIX, desde quando Marx e vários outros estudiosos apontaram para as duras condições de vida e trabalho do proletariado então nascente. À época de Marx – em que tudo que era sólido se desmanchava mais lentamente no ar – o Estado ainda não tinha se tornado o Leviatã tributário. Ainda não embolsava, em termos proporcionais, a maior parte das riquezas produzidas. Desconsiderando o lado inevitavelmente bruto da disputa pelo poder, Marx chegou a imaginar, com grande inocência política, que uma vez consolidada a revolução comunista ocorreria a dissolução espontânea da ditadura do proletariado e o Estado perderia sua raison d’être e desapareceria...

Depois do rotundo fracasso do processo de coletivização dos meios de produção no século XX, hoje se assiste à universalização do socialismo tributário. Depois de ter sido instaurado nos países do Primeiro e Segundo Mundos, avança sobre as sociedades até recentemente rotuladas de subdesenvolvidas. O problema é que nos países pobres o socialismo tributário é perverso. O Estado, a pretexto de corrigir o mercado, se considera capaz de redistribuir, fazendo justiça, o que não produz. Com sua secular ineficiência paquidérmica, drena montante expressivo dos recursos escassos a duras penas gerados por empreendedores esfolados e trabalhadores empobrecidos.

Repete-se de forma monocórdia que o Brasil é uma sociedade terrivelmente injusta. E se atribui isso quase sempre ao capitalismo selvagem. Não está essa visão presa às aparências? O uso de advérbios de intensidade e de adjetivos condenatórios suscita reações emocionais que não contribuem para a compreensão do fenômeno da má distribuição de renda. Sociedades não têm vida própria. Não se reproduzem sem o concurso das ações individuais. Com atitudes e comportamentos, cada um de nós contribui para o estado geral do País. É claro que há também mecanismos impessoais, institucionalizados, que tornam os indivíduos – sozinhos – impotentes para reverter quadros sociais desfavoráveis a todos.

O que com freqüência se insinua no Brasil é que a concentração de renda resulta da perversidade das classes dominantes que aplicam com impiedade as leis da exploração capitalista. Omite-se o detalhe fundamental de que, dada a carga tributária extorsiva e os serviços básicos de péssima qualidade, é o Estado que fica com a parte do leão. Estudo sobre gastos sociais elaborado por técnicos do ministério da Fazenda, enquadra quem tem renda familiar de R$ 2.300,00 entre os 10% mais ricos da população. Isto é forte evidência de que a pobreza é generalizada. Em condições normais, não deveria ser classificada como de classe média nem mesmo a pessoa que tivesse sozinha esses rendimentos. Mesmo porque não proporcionam um padrão de vida mediano. A inexistência de uma autêntica classe média ajuda a entender por que subsiste um enorme fosso entre o topo e a base da pirâmide social.

Os pobres e miseráveis vivem à margem da economia formal. Os estratos médios da população estão sujeitos a uma extração tributária crescente que só faz rebaixar seu poder aquisitivo. A neoderrama está sangrando bolsos e deprimindo o consumo. E isso diminui a oferta de empregos e o padrão de vida dos mais pobres. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou recentemente o documento “Contas Regionais” no qual se encontra uma reveladora radiografia da delicada questão da distribuição de renda. A renda per capita média do brasileiro em 2001 foi de R$ 6.954,00. A região Sudeste - onde está concentrado não só o maior parque industrial do País mas também as mais importantes empresas de serviço - é a que apresenta maior renda per capita - R$ 9.316,00. O Nordeste da Vida Severina é a região mais pobre do país, apresentando renda média anual por pessoa de apenas R$ 3.255,00. O que causa surpresa no documento do IBGE é a informação de que a área do País onde a população tem a melhor renda é Brasília. Na capital, a renda anual per capita chega aos respeitáveis R$ 15.725,00. Isso significa que é quase cinco vezes maior que a renda do nordestino ou três vezes a renda do brasileiro. Como Brasília não é um centro econômico como São Paulo, nem se destaca como um novo pólo de desenvolvimento, desses dados se pode depreender que o Estado é generoso com seus burocratas. O problema é que isso ocorre em detrimento do dinamismo da economia e, por extensão, dos rendimentos dos trabalhadores que estão, em sua maioria, submetidos às férreas engrenagens do mercado que obrigam o setor privado, se não quiser sucumbir, a ser competitivo.

Será que está ocorrendo uma redistribuição de renda, via impostos escorchantes, dos brasileiros do norte/nordeste, sul/sudeste e centro-oeste para os servidores encastelados no Planalto Central? Tal questão está a demandar uma análise técnica. Enfrentá-la é fundamental porque a problemática da má distribuição de renda é prevalentemente enfocada pelos formadores de opinião como um subproduto do capitalismo tupiniquim. Quase ninguém coloca o Estado como um dos vilões, muito menos como o maior, do processo. Tudo seria perfeito, apregoam os neoestatistas, se não existisse a ganância empresarial, se a vida econômica não se pautasse pela busca do lucro. Não se discute que destino é dado à montanha de impostos que exaure a sociedade e tonifica a burocracia.

Por mais que no mundo se observe que as regiões de maior renda per capita tendem a se localizar nas capitais ou em seus arredores, no Brasil isso assumiu cores mais fortes em virtude da pobreza geral do povo e da asfixiante carga tributária. Enquanto não se parar para pensar na cota de responsabilidade do Estado pela má distribuição de renda, se tenderá a reduzir o problema à visão simplista de que tudo se resolve erigindo o Poder Público em árbitro que vai tirar dos ricos para dar aos pobres. Esquece-se que a voracidade tributária só faz piorar a distribuição de renda e diminuir o dinamismo do setor produtivo. Ora, se os trabalhadores e empresários entregam quase metade de tudo que é produzido aos governos, pouco sobra para consumirem e investirem. A sociedade precisa urgentemente discutir quanto está disposta a pagar pela máquina estatal. Não faz sentido ficar culpando o mercado que, a despeito de suas imperfeições, gera riquezas que em boa parte são apropriadas por governos que as malversam, as dilapidam ou as aplicam de modo inepto.

Alberto Oliva é filósofo


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